Divã-neos
- Vanessa CTReis
- há 6 dias
- 2 min de leitura
(Vanessa CTReis - agosto de 2025)

Não sei se pode ser novidade para alguns, mas atuo também no campo da psicanálise, trabalhando a arte e psicanálise com autistas e psicóticos.
Nesse campo de atuação, operamos muitas leituras que tratam do olhar e foi com essa dinâmica que pude interrogar a relação entre o Gaze da teoria de Norman Bryson e o Olhar da teoria de Lacan, mais precisamente em seu Seminário 11.
Causada pelas pesquisas que percorrem meu trabalho há um tempo - onde trato a imagem, o tempo e a palavra como restos -, sou levada a refletir e pensar na possibilidade de uma poética definida como “Poética dos Restos”, na qual o olhar entra atravessando o movimento.
Sim!
Afinal, somos constituídos por restos de tudo o que já vivemos e experimentamos. Nosso corpo é moldado por essas experimentações. O olhar então, poderia agenciar a ação.
Tomei esse ponto que me instiga e sigo nas investigações e leituras que me estimulam e fazem seguir em meu processo criativo, mas sempre de forma leve e curiosa, apenas me deixando levar pelas descobertas.
Bryson nos traz que o Gaze, o olhar contemplativo, não é natural, mas algo moldado culturalmente. Ele o diferencia de Glance, o olhar fugaz, e discute como o olhar é construído dentro de sistemas simbólicos, ou seja, o que vemos e como vemos depende do tempo, do lugar e da subjetividade que carregamos.
Podemos então pensar que a forma como olhamos é resultado de restos? Experiências passadas, marcas culturais, afetos acumulados? Vemos com um olhar estratificado, composto por camadas?
O que Bryson chama de Gaze pode ser relido como esse olhar que não é imediato nem puro, mas atravessado por resíduos simbólicos e emocionais. É aqui que encontro relação com a psicanálise e Lacan, quando diz que o olhar (le regard) é um conceito central à ideia de constituição do sujeito, uma dimensão simbólica e imaginária que afeta a relação com o mundo e com o Outro. Não irei mais que isto, mas deixarei abaixo indicações para quem desejar se aprofundar.
Bryson também discute em sua escrita como a imagem, aquilo que supomos ver, nunca é plena, ela sempre carrega o que falta, o que está ausente, o que escapou. Nesse sentido, a imagem é por si um resto de algo, um fragmento que tenta dar forma ao tempo, à experiência, à memória. Lacan também diz da falta em todo seu percurso teórico.
Ao pensar meu trabalho e a poética dos restos como um processo que parte da construção–desconstrução–reconstrução, posso pensar que na prática estou ativando um Gaze que opera nos resíduos? Onde a obra torna-se um território de restos simbólicos, afetivos e históricos daquilo que ainda pulsa?

Sigo com minhas questões...
A resposta? Talvez só seja possível num momento posterior. Quando o distanciamento do olhar diante da coisa revelar aquilo que de alguma forma pulsa e deixa vincos no agora.
Até mais!
Para quem desejar ir mais a fundo:
Vision and Painting: The Logic of the Gaze – Norman Bryson
Seminário 11 Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise – Jacques Lacan
Comments